quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Yasmin

Não sei precisar o dia, porém ainda pica em minha pele o sol extremamente forte daquele outubro de 2000.
O caminho era o mesmo que se repetia há três anos, sempre passando em frente aquela casa, cujas grades do portão me pareciam o portal para uma dimensão paralela, onde habitavam um sem número de felinos que mansamente viviam...

Em um primeiro momento, pude distinguir o pequeno borrão marrom que emitia miados que mais pareciam lamentos. Súplicas para que a vida não se esvaísse lenta e dolorosamente, no calor que nos queimava a alma.
O profundo sentimento de urgência no resgate me fez parar e olhar mais atentamente na direção do som.

Um pequenino ser se esparramava no chão quente. As quatro patas abertas, como uma miniatura de cristo, prestes a ser crucificado.
Gatinho magro e de olhos suplicantes. Pêlos malhados entre o marrom, preto e branco.
Começava ali uma história de luta e fé pela vida, mas acima de tudo, um incomensurável amor! Ali, naquele momento mágico, nascia YASMIN!

Pequenina, ela cresceu frágil e arisca, como todos os seres que adivinham seu destino: Unir almas/espíritos, que por algum tipo de brincadeira do destino, se desencontraram.
Seres que passam por este universo com o único propósito de serem pontes... Elos.
Anjos?

E, contra todas as expectativas, Yasmin cresceu. Uma gatinha de botas, como era carinhosamente chamada, pois suas patinhas curtas e brancas, mais pareciam vestidas com pequenas botinhas.
Ou, como chamou uma amiga “menininha das perninhas grossas”...

Anjo!
Pois como um anjo, Yasmin acompanhou oito anos de minha jornada por dias nem sempre fáceis e longas noites em que seu calor foi meu maior alento.
Juntas brincamos, corremos, dormimos. Sonhamos...
Sonhamos.

Até que um vento desesperadamente frio varreu a cidade naquela tarde nublada e triste de junho. E como todo vento forte que passa atropelando nossas vidas, levou consigo algo valioso e muito amado: Levou minha Yasmin.
Sua jornada havia chegado ao fim, seu destino já se cumprira. Era hora de partir.

Juntas, lutamos até o ultimo segundo. Juntas tentamos driblar o destino. Juntas atravessamos dia e noites intermináveis.
Juntas entendemos, dolorosamente, que havíamos chegado ao limite máximo de nossas forças. Podia-se ler em seus olhos que era a hora de partir...
Juntas, enfrentamos este ultimo momento... Até que seus olhos já não mais me fitavam e a vida se esvaíra sem que eu pudesse fazer mais nada. Minha gatinha de botas me deixou naquela tarde fria de junho.

Desde então, as tardes frias e de vento forte deste final de inverno me são dolorosamente tristes.
Nestas tardes fecho os olhos e desejo ardentemente voltar aquele dia de sol extremamente forte que picava a minha pele em outubro de 2000... Silenciosamente espero ouvir o som de um miado e reencontrar o meu pequeno borrão marrom...


( Hoje a madrugada é de vento frio e a saudade me rasga a alma - 27/08/09 )

Helena Jorge