quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Tempo

Desde os séculos antes da história
E por todos os outros que seguem depois dela
Meus olhos escuros encontram os teus
Através do fogo das feiticeiras
E do brilho cintilante das supernovas
Além dos reluzentes brilhos dos cristais

Nos reconhecemos através dos tempos já esquecidos
Passeando na tundra siberiana sob o plenilúnio
Rasgando os céus com grandes asas vermelhas
Iluminando a abóbada noturna com rajadas incandescentes
Quando os cavaleiros de armaduras brilhantes
De velhas lendas esquecidas
Cavalgavam seus imponentes corcéis sobre a terra.

Te encontro pelas estradas noturnas
Nos mercados árabes de Marrakesh
Segui teu perfume na bruma londrina
Observando a construção da torre Eiffel
Sentindo o aroma da areia quente
Vendo o mundo pelo olhar das esfinges de pedra.

Cruzamos nossos olhares em vagões de metrô
Atravessando catracas e portas de entrada / saída
Bebendo nos mesmos bares, rindo em mesas separadas
Efetuando check-ins e check-outs dos mesmos quartos de hotel
Passando por portões opostos nos aeroportos.

Em todas as encarnações vindas e vindouras
Existe o momento em que os destinos se encontram
E com eles palavras, voz, olhos, mãos e corpos
Em tardes de sol ameno a noites quentes de lua cheia
Mais uma vez nos encontramos nas noites de outono
Mais uma vez, parceiros em nossa dança lúdica
Bailando entre auroras e crepúsculos
Levados por um beijo infinito de surpresa e saudade
Nossa alquimia plena fundindo passado, presente e futuro
No nosso único e particular tempo.


- Paulo Renault- 

sábado, 7 de novembro de 2009

Fim

Helena Jorge, Poetisa Helen!

Leio seu poema e um arrepio forte me toma a partir da garganta, do coração e o pensamento foi longe. Fico diante do seu blog uma vontade me toma pela mão e começo a escrever agora dando asas ao meu sentimento. Nem sei onde irei parar por causa do seu poema que me tomou pela garganta. E isso é bom, porque quando algo me faz sentir dessa forma é porque um novo ponto de vista se fez nova palavra, um novo pensamento.
Quero ainda escrever algo sobre esse poema que pode até virar um Teorema sobre os assuntos da vida que nascem, se desenvolvem e um dia chegam ao Fim...
Escrever algo para você sobre seu poema é uma provocação para mim mesma. Escrever algo sobre esse ponto de vista é algo sério e ao mesmo tempo pode ser algo que fique para o futuro. Mas paro e leio o Fim outra vez, tentando sentir o que meu coração me diz e o que revela meu pensamento, para que eu deixe uma mensagem à sua poética profunda, forte e bela.
O que dizer diante da filosofia dos poemas de Helena Jorge, diante de sua forma apaixonada de sentir e ver a vida! Com certeza foi de forma apaixonada que esse Fim aconteceu em sua tempestade intensa!
Decido seguir lendo pela terceira vez. Esse FIM é um poema dado onde ainda não encontrei o ponto final.

Abraço de arte e paz,
Ana Felix Garjan
Artforum Holístico


(recebi estas palavras tão lindas e quis dividir... Que os deuses sejam louvados por colocarem em meu caminho seres de tamanha luz! )

Helena

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Para Scórpio

Em meio a tempestade não vemos nada a nossa volta.
O fulgor dos raios nos estremece a alma ao mostrar um instantâneo da paisagem revolta.
Mas o lobo em nosso íntimo nos recorda de que é necessário seguir em frente, mesmo que contra o vento.
O amanhecer virá nos beijar a face com um sol tranquilo que aquecerá os ossos enregelados e a alma aflita.

Te amo na veia e nunca menos do que isso!

Slán agus Solas


- Paulo Renault -

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SE

E
se nada houvesse acontecido?
se nada fosse da forma que vemos hoje?

E
se os caminhos seguidos fossem outros
se as conseqüências fossem as esperadas?

E
se fossemos mais corajosos
destemidos
se ousássemos mais?

E
se esta nossa ousadia nos transformasse
transmutasse
no ser ideal?

E
se simplesmente tivéssemos a coragem
o destemor
a insensatez
de sermos pura e simplesmente
o exato objeto de nosso desejo?

E
se a vida fosse um presente
e não um fardo
a ser duramente carregado?

E
se
tivéssemos a audácia de ser
total e despudoradamente felizes ?

- Helena Jorge - 

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Clara

Garoa fina encobre a cidade neste primeiro dia de primavera e a tarde se arrasta, nublada e fria.
Aqui, deste sexto andar, tento driblar o tédio que teima em se instalar e dedilho o teclado do computador, talvez aguardando uma inspiração divina... E ela me chega, da forma mais absurda e maravilhosamente simples: Latidos vindos da rua.
Por um destes motivos inexplicáveis, paro o trabalho e vou até a janela observar de onde eles vem. Na calçada do prédio em frente, Clara, uma enorme mancha branca como seu nome já diz, corre e balança o rabo para seu dono. Late feliz e eu posso ver daqui os sorrisos que se abrem, escancarados, no rosto de ambos. Cão e dono.
Me perco no tempo, observando ambos correndo e brincando como duas crianças, esquecidas do universo ao seu redor...

Neste início de primavera chuvosa e fria,
Clara se faz luz.
Neste início de primavera,
Clara
clareia meu dia.


- Helena Jorge - 

sábado, 3 de outubro de 2009

Olhares

Terça-feira chuvosa e fria.
Saio do supermercado distraída e apressada, como convém a uma legítima paulistana, tentando equilibras as sacolas.
A menina, ainda em uniforme de escola caminha em minha direção. Nossos olhares se cruzam e o brilho que trás neles meio que me hipnotiza. Impossível não sentir percorrer pela minha pele a profunda alegria que se faz naquele rosto.
Paro, sigo seus olhos e encontro o destino de tal luz: Ele, igualmente no uniforme escolar, de sorriso e braços abertos, irradia o mesmo brilho, a mesma luz...

É... É primavera e um cheiro doce de tenros anseios envolve os corpos daqueles dois.

Helena Jorge

domingo, 27 de setembro de 2009

Teus Olhos

Era a calma mansa de um dia ensolarado
As paredes reluziam o ouro que descia dos céus
Eu vagava, sem promessas, pelas ruas brilhantes
Sentindo a brisa suave que corria manhosa
Fazia sol, fazia brilho, fazia luz
Então senti a sombra que se aproximava
Sombra doce, mas pungente
Coleando sinuosa, tomando meu corpo
Espalhando-se pela pele, por meus olhos
Noite profunda na tarde radiosa
Duas luas novas eclipsando o sol abrasador
Teus olhos, selenes de paragens fictícias
Deusas hipnóticas das montanhas estreladas
Neles enxerguei os segredos de Pandora
Consagração de beleza e terror
Em sua discreta calma disfarçada
As tempestades açoitando a terra seca
Os lampejos brilhantes cortando a escuridão
Perdido no fundo de teus olhos
Vi morte e renascimento, estrelas cadentes
Enxerguei o alfa e o ômega do Universo
E toda a verdade esquecida do mundo
Atravessado pela dor lancinante
Dos ventos cortantes que vem distantes
Me aqueci no calor de vulcões incandescentes
Encontrando prazeres lânguidos
Nos teus olhos de coriscos azuis e verdes
Encontrei as profundezas das águas escuras
Dos saveiros adormecidos e dos seres abissais
Vi as fogueiras das bruxas, dançando na floresta
As incontáveis velas que iluminavam os salões
Dos bailes de vestidos longos de pedrarias reluzentes
Teus olhos, duas luas novas de noite mágica
Neles antevi as presas brancas do caçador noturno
E antes que me perdesse no labirinto translúcido
A aurora retornou do horizonte já esquecido
O sol subiu aos céus e teus olhos se foram
Duas luas que retornaram a noite distante
Deixando em seu lugar um delírio tépido
De quem viu além do horizonte onírico

Paulo Renault

sábado, 19 de setembro de 2009

Madrugada

Ah, a vil existência dos insones !!
É madrugada e o sono teima em não chegar. Na vã espera, fumo um cigarro e observo a vida pela janela. Sorvo o frio vento que envolve a noite, junto à fumaça que, sei, não trás bons presságios aos meus pulmões...
No cruzamento, o buraco aberto na avenida liberta interminável fio... Cabo, que é penosamente puxado pelo homem solitário.
Atarracado, metido no cinzento uniforme com faixas fluorescentes, é nítido o esforço que faz ao puxar ritmicamente a enorme serpente. Telefônica ? Net ? Não tenho idéia... Sei apenas que ele está lá e o trabalho não deve parar...
Trago a fumaça do cigarro em igual ritmo com que o fio é tirado da terra.
Sou, ao meu modo meio torto, solidária ao esforço daquele homem cinzento e solitário, nesta madrugada insone.

Helena Jorge

Fim de inverno

Na tarde fria desta sexta-feira de tempo indeciso, o gigantesco pinheiro tombou, levando consigo telhados e carros.
Meu companheiro imponente e calado nestes últimos 11 anos, parece confirmar com seu destino o fim de um ciclo que reluto em assumir.
Durante os últimos anos nos observamos diariamente em nossa jornada. Juntos crescemos, vicejamos, expandimos horizontes...
Igualmente juntos, lutamos contra pragas que, em grande parte das vezes, alimentamos e permitimos que se desenvolvessem. Assim como se em nosso intimo soubéssemos, elas eram necessárias ao nosso crescimento.
Não. Não houve uma enorme tempestade que lhe encharcasse as raízes, a alma... Nem tão pouco o vento chegou levando tudo o que estivesse em seu caminho...
Não.
A tarde era apenas fria e triste, como normalmente são as tardes neste meio de setembro, em que o fim do inverno se arrasta. Lenta e penosamente.
E desta maneira, lenta e penosa, se cumpriu a sina. Um período chega ao fim. O destino se cumpre. Inexorável.
Juntos. Eu e o pinheiro tombamos.
Juntos. Eu e o pinheiro, assumimos o risco de um recomeço.
Juntos, vivemos tudo aquilo que sabemos, deveria ser vivido.
Sem temores.
Juntos, simplesmente vivemos...

Helena Jorge

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Yasmin

Não sei precisar o dia, porém ainda pica em minha pele o sol extremamente forte daquele outubro de 2000.
O caminho era o mesmo que se repetia há três anos, sempre passando em frente aquela casa, cujas grades do portão me pareciam o portal para uma dimensão paralela, onde habitavam um sem número de felinos que mansamente viviam...

Em um primeiro momento, pude distinguir o pequeno borrão marrom que emitia miados que mais pareciam lamentos. Súplicas para que a vida não se esvaísse lenta e dolorosamente, no calor que nos queimava a alma.
O profundo sentimento de urgência no resgate me fez parar e olhar mais atentamente na direção do som.

Um pequenino ser se esparramava no chão quente. As quatro patas abertas, como uma miniatura de cristo, prestes a ser crucificado.
Gatinho magro e de olhos suplicantes. Pêlos malhados entre o marrom, preto e branco.
Começava ali uma história de luta e fé pela vida, mas acima de tudo, um incomensurável amor! Ali, naquele momento mágico, nascia YASMIN!

Pequenina, ela cresceu frágil e arisca, como todos os seres que adivinham seu destino: Unir almas/espíritos, que por algum tipo de brincadeira do destino, se desencontraram.
Seres que passam por este universo com o único propósito de serem pontes... Elos.
Anjos?

E, contra todas as expectativas, Yasmin cresceu. Uma gatinha de botas, como era carinhosamente chamada, pois suas patinhas curtas e brancas, mais pareciam vestidas com pequenas botinhas.
Ou, como chamou uma amiga “menininha das perninhas grossas”...

Anjo!
Pois como um anjo, Yasmin acompanhou oito anos de minha jornada por dias nem sempre fáceis e longas noites em que seu calor foi meu maior alento.
Juntas brincamos, corremos, dormimos. Sonhamos...
Sonhamos.

Até que um vento desesperadamente frio varreu a cidade naquela tarde nublada e triste de junho. E como todo vento forte que passa atropelando nossas vidas, levou consigo algo valioso e muito amado: Levou minha Yasmin.
Sua jornada havia chegado ao fim, seu destino já se cumprira. Era hora de partir.

Juntas, lutamos até o ultimo segundo. Juntas tentamos driblar o destino. Juntas atravessamos dia e noites intermináveis.
Juntas entendemos, dolorosamente, que havíamos chegado ao limite máximo de nossas forças. Podia-se ler em seus olhos que era a hora de partir...
Juntas, enfrentamos este ultimo momento... Até que seus olhos já não mais me fitavam e a vida se esvaíra sem que eu pudesse fazer mais nada. Minha gatinha de botas me deixou naquela tarde fria de junho.

Desde então, as tardes frias e de vento forte deste final de inverno me são dolorosamente tristes.
Nestas tardes fecho os olhos e desejo ardentemente voltar aquele dia de sol extremamente forte que picava a minha pele em outubro de 2000... Silenciosamente espero ouvir o som de um miado e reencontrar o meu pequeno borrão marrom...


( Hoje a madrugada é de vento frio e a saudade me rasga a alma - 27/08/09 )

Helena Jorge