domingo, 27 de setembro de 2009

Teus Olhos

Era a calma mansa de um dia ensolarado
As paredes reluziam o ouro que descia dos céus
Eu vagava, sem promessas, pelas ruas brilhantes
Sentindo a brisa suave que corria manhosa
Fazia sol, fazia brilho, fazia luz
Então senti a sombra que se aproximava
Sombra doce, mas pungente
Coleando sinuosa, tomando meu corpo
Espalhando-se pela pele, por meus olhos
Noite profunda na tarde radiosa
Duas luas novas eclipsando o sol abrasador
Teus olhos, selenes de paragens fictícias
Deusas hipnóticas das montanhas estreladas
Neles enxerguei os segredos de Pandora
Consagração de beleza e terror
Em sua discreta calma disfarçada
As tempestades açoitando a terra seca
Os lampejos brilhantes cortando a escuridão
Perdido no fundo de teus olhos
Vi morte e renascimento, estrelas cadentes
Enxerguei o alfa e o ômega do Universo
E toda a verdade esquecida do mundo
Atravessado pela dor lancinante
Dos ventos cortantes que vem distantes
Me aqueci no calor de vulcões incandescentes
Encontrando prazeres lânguidos
Nos teus olhos de coriscos azuis e verdes
Encontrei as profundezas das águas escuras
Dos saveiros adormecidos e dos seres abissais
Vi as fogueiras das bruxas, dançando na floresta
As incontáveis velas que iluminavam os salões
Dos bailes de vestidos longos de pedrarias reluzentes
Teus olhos, duas luas novas de noite mágica
Neles antevi as presas brancas do caçador noturno
E antes que me perdesse no labirinto translúcido
A aurora retornou do horizonte já esquecido
O sol subiu aos céus e teus olhos se foram
Duas luas que retornaram a noite distante
Deixando em seu lugar um delírio tépido
De quem viu além do horizonte onírico

Paulo Renault

sábado, 19 de setembro de 2009

Madrugada

Ah, a vil existência dos insones !!
É madrugada e o sono teima em não chegar. Na vã espera, fumo um cigarro e observo a vida pela janela. Sorvo o frio vento que envolve a noite, junto à fumaça que, sei, não trás bons presságios aos meus pulmões...
No cruzamento, o buraco aberto na avenida liberta interminável fio... Cabo, que é penosamente puxado pelo homem solitário.
Atarracado, metido no cinzento uniforme com faixas fluorescentes, é nítido o esforço que faz ao puxar ritmicamente a enorme serpente. Telefônica ? Net ? Não tenho idéia... Sei apenas que ele está lá e o trabalho não deve parar...
Trago a fumaça do cigarro em igual ritmo com que o fio é tirado da terra.
Sou, ao meu modo meio torto, solidária ao esforço daquele homem cinzento e solitário, nesta madrugada insone.

Helena Jorge

Fim de inverno

Na tarde fria desta sexta-feira de tempo indeciso, o gigantesco pinheiro tombou, levando consigo telhados e carros.
Meu companheiro imponente e calado nestes últimos 11 anos, parece confirmar com seu destino o fim de um ciclo que reluto em assumir.
Durante os últimos anos nos observamos diariamente em nossa jornada. Juntos crescemos, vicejamos, expandimos horizontes...
Igualmente juntos, lutamos contra pragas que, em grande parte das vezes, alimentamos e permitimos que se desenvolvessem. Assim como se em nosso intimo soubéssemos, elas eram necessárias ao nosso crescimento.
Não. Não houve uma enorme tempestade que lhe encharcasse as raízes, a alma... Nem tão pouco o vento chegou levando tudo o que estivesse em seu caminho...
Não.
A tarde era apenas fria e triste, como normalmente são as tardes neste meio de setembro, em que o fim do inverno se arrasta. Lenta e penosamente.
E desta maneira, lenta e penosa, se cumpriu a sina. Um período chega ao fim. O destino se cumpre. Inexorável.
Juntos. Eu e o pinheiro tombamos.
Juntos. Eu e o pinheiro, assumimos o risco de um recomeço.
Juntos, vivemos tudo aquilo que sabemos, deveria ser vivido.
Sem temores.
Juntos, simplesmente vivemos...

Helena Jorge